DIA DE NATAL NA SÉ DE BEJA

HOMILIA NO DIA DE NATAL-2023

Sé de Beja, 25 de dezembro de 2023

 

1 – Hoje é Dia de Natal e celebramos o Nascimento de Jesus.

Celebramos o quê? Nesta sociedade materialista que é a nossa, o Natal perdeu, para muitos, todo e qualquer sentido religioso. As prendas, as ceias, o afã das compras, as iluminações públicas das ruas e praças, preenchem a vida de grande parte dos nossos contemporâneos nestes dias do fim do ano, em que ocorre esta solenidade, depois do solstício do inverno. Mas nós, que por misericórdia de Deus acreditamos em Cristo, não podemos contentar-nos com os aspetos exteriores da festa. Procuremos mergulhar neste mistério do amor de Deus que desce do Céu à terra para nos salvar, para nos levar da terra para o Céu.

O Natal não é a festa mais importante dos cristãos, mas é, certamente, a mais especificamente cristã. A Páscoa é a festa principal; é, aliás, a única festa que celebramos, também hoje, ao comemorarmos o Nascimento de Jesus. Foi para realizar a Páscoa que o Verbo Se fez carne no seio da Virgem Maria e habitou entre nós. No Natal comemoramos o Mistério da Encarnação, ou seja, o Nascimento e a manifestação do Filho de Deus que, por amor de nós, assumiu a natureza humana e Se fez Homem.

Para sublinharem a enorme importância deste mistério, os nossos antepassados começaram a contar os anos a partir da data considerada como sendo a do nascimento de Jesus. Para essa data se encaminha a história do povo de Israel e de toda a humanidade, e a partir dela podemos entender a história da nossa vida presente. De facto, a Encarnação do Verbo é como um farol que tudo ilumina, e nos revela o sentido do passado e do futuro. A luz brilha nas trevas, e as trevas não a receberam.

(…) O Verbo era a Luz verdadeira, que, vindo ao mundo, ilumina todo o homem. No prefácio desta Missa de Natal diremos dentro de momentos, dirigindo-nos ao Pai, que pelo Mistério do Verbo Encarnado nova Luz da Vossa glória brilhou sobre nós; para que, contemplando a Deus visível aos nossos olhos, aprendamos a amar o que é invisível.

2 - Deus tornou-Se visível aos nossos olhos. Aquele Deus que, na Criação Se revelou como fonte de Vida, preparou o povo de Israel por meio dos profetas, ensinando-o a escutar e a pôr em prática a Sua Palavra. Mas permaneceu invisível, até enviar ao mundo o Seu Verbo Criador por obra do Espírito Santo. Então Se tornou visível este Deus invisível, porque veio como pastor para guardar o Seu rebanho. E Ele, Jesus, Filho de Deus e nosso Bom Pastor, sendo homem verdadeiro, permanece Deus verdadeiro, porque é um só com o Pai. E quem O vê, vê o Pai. Assim termina o trecho evangélico que escutámos há momentos: a Deus, nunca ninguém O viu. O Filho Unigénito, que está no Seio do Pai, no-l’O deu a conhecer.

O conhecimento de Deus que Jesus nos oferece não se resume a uma informação teórica, racional. Àqueles que O receberam e acreditaram no Seu nome, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus. Estes não nasceram do sangue, nem da vontade da carne, nem da vontade do homem, mas de Deus. Estes, nascidos de Deus, experimentam a glória, o esplendor, a importância do Verbo Encarnado em suas vidas. Porque vivem a partir de Deus, participam da natureza divina, vivem a mesma vida do Filho de Deus e tornam-se participantes da Sua mesma missão. Continuando homens, já não vivem para si mesmos, mas para o Senhor a Quem amam com o mesmo amor com que, por Ele, são amados. E, nesse amor, amam os seus irmãos como o Senhor Jesus os amou, dispostos a dar a vida por eles, e amam também os seus inimigos.

Queridos irmãos e irmãs: para isto celebramos o Natal de Jesus Ressuscitado em nossas vidas: para sermos herdeiros d’Ele, membros do Seu Corpo que é a Igreja, terra iluminada que faz resplandecer a Sua luz no meio das trevas do mundo.A vida nova que Jesus nos oferece, cada um de nós a recebe nos sacramentos da Iniciação Cristã, nos sacramentos do Batismo, da Confirmação e da Eucaristia. Por meio deles o Senhor nos liberta dos nossos pecados e nos dá o Seu Espírito para deixarmos de viver segundo a carne e cultivarmos a Vida de filhos de Deus, a Vida de Jesus. Essa vida cultiva-se em Igreja, em comunidade.

 

3 – Na primeira leitura tirada do livro de Isaías, vemos como o profeta elogia os pés do mensageiro que anuncia a paz, que traz a boa nova e proclama a salvação. Faz-nos ouvir o grito das sentinelas que soltam brados de alegria porque veem, com os próprios olhos, o Senhor Deus que volta para Sião.

Veem Deus? Veem as obras de Deus, veem os israelitas que regressam do cativeiro de Babilónia, como que ressuscitados. E nesse acontecimento, o profeta vê o anúncio da salvação de Deus chegar aos confins da terra. Todos os confins da terra verão a salvação do nosso Deus.

O salmo responsorial que cantámos com o refrão: todos os confins da terra viram a salvação do nosso Deus, atesta que é verdade, afirma que se está cumprindo esta profecia. Por meio da Igreja Católica, por meio do trabalho evangelizador dos portugueses e de outros povos da Europa, o Evangelho chegou aos confins da terra. Demos graças ao Senhor por esta missão que nos confiou a nós, um povo tão pequeno. E peçamos-Lhe a graça de continuarmos fiéis a Cristo Nosso Senhor.

A segunda leitura convida-nos a adorar, com os anjos, o Senhor que entra no mundo. Adorar a Deus coloca-nos no nosso lugar: somos homens e mulheres, não somos deuses, não somos o princípio nem o fim da criação. O nosso lugar é central e muito importante, e não podemos esquecer a responsabilidade que nos advém da ordem divina de transformar o mundo. Mas como não somos deuses, não temos o direito de dispor da vida dos nossos irmãos, como acontece nas guerras, em todas as guerras, quando os outros nos surgem como obstáculo que impede a realização dos nossos programas. Todas as guerras são negativas porque fazem crescer o ódio e, com ele, as dificuldades de coabitação pacífica.

Todas as guerras, desde as pequenas guerras que destroem famílias até às grandes guerras que destroem nações, são negativas. Celebrar o Natal é dizer não à violência egoísta, é criar espaço para acolher a diferença. Que há de mais diferente que o homem pecador e Deus? Deus, por amor, faz-se homem, mas, significativamente, quando veio ao mundo, não havia espaço na hospedaria dos homens, para O receber. Como afirma o profeta Isaías, o boi conhece o seu dono e o jumento o estábulo do seu senhor, mas Israel meu povo, nada entende.

Felizes os que promovem a Paz, porque serão chamados filhos de Deus. Ser filho de Deus é ser construtor de Paz, de relacionamentos pacíficos, é buscar, acima de tudo, o bom entendimento, é encarar as diferenças como enriquecimento, é aceitar perder para que surja a Paz.

Quem conhece e quem acredita no Mistério da Cruz de Cristo tem esta experiência de que é dando que se recebe e é perdoando que se é perdoado. A Fé em nosso Senhor Jesus Cristo descentra-nos, põe em nossos corações o Amor gratuito para com todos. Amor de graça.

4 - Certamente escutastes nas notícias dos últimos dias que na cidade de Beja há dezenas de pessoas imigrantes que passam fome e frio. Neles, está certamente o Senhor Jesus perguntando-nos se não haverá lugar para Ele. Há também bastantes pessoas que passam mal, que são pobres envergonhados, que sofrem carências, mas não pedem. Se cada praticante estiver atento, não será difícil encontrá-las e dar-lhes uma ajuda. E tantas outras situações que de certeza encontrais no vosso dia a dia, e que podeis ajudar. Lembrai-vos da palavra de Jesus: o que fizestes aos meus irmãos mais pequeninos a mim o fizestes.

Não vos envergonheis, vós que sois pais, mães e avós, de transmitir a Fé à nova geração, rezando em família, vindo participar na Eucaristia, obedecendo à lei de Deus e agora, no tempo do Natal, explicando o presépio. Mesmo que lhes custe escutar e disponibilizar tempo para a oração, mais tarde, muito provavelmente, vos agradecerão.

5 – De ouvidos abertos e de olhos levantados para o alto, caríssimos irmãos e irmãs celebremos esta Eucaristia no dia de Natal. Completam-se hoje 800 anos sobre a data na qual São Francisco de Assis inventou o presépio em Greccio, perto de Assis, convidando assim os moradores daquela terra, a viver o Mistério da Encarnação de Cristo. Os franciscanos levaram por todo o mundo esta tradição que lançou raízes tão profundas entre nós.

Desejo a todos vós, uma vivência intensa deste Mistério do Natal. Que a pobreza de Deus feito menino, seja para todos nós, a maior riqueza das nossas vidas.

 

                                                                                                    + João Marcos