MENSAGEM PARA A QUARESMA 2024
Onde está o teu irmão?
Estimados diocesanos de Beja,
1. Estamos vivendo tempos difíceis, como diariamente nos testemunham as notícias. Guerras e mais guerras entre as nações, algumas mais conhecidas e comentadas diariamente, e outras quase desconhecidas. Entre nós, a corrupção também é notícia: a nossa sociedade está doente, em desagregação. O casamento não resiste às crises normais da vida e o divórcio, apresentado como solução, transforma a existência de muitas pessoas numa experiência de sucessivas frustrações. As pessoas perguntam-se com razão acerca do futuro deste país e desta sociedade. Haverá ainda lugar para a Esperança?
Vamos celebrar, no último dia do mês de março e nas sete semanas que se lhe seguem, a solenidade da Páscoa. A Páscoa é a festa que nós cristãos, fazemos, não apenas no primeiro Domingo após a primeira lua cheia da primavera, mas todos os Domingos e festas do ano. Celebrar a Páscoa, ou melhor, fazer a Páscoa é fundamental para a nossa vida. É Páscoa porque o Senhor passa, faz Páscoa. Ele vem ao nosso encontro para nos desinstalar e pôr a caminhar. Conforme a situação em que nos encontramos, a Páscoa pode ser para nós a festa das festas, como foi para os escravos de Israel, ou um perigo, como foi e continua a ser para o faraó e para os egípcios. Quando o Senhor passa por nós, nada fica como dantes.
2. Na celebração da Vigília Pascal a Igreja que somos fará novamente a renunciação ao demónio e a profissão de fé em Deus nosso Pai, em Jesus Cristo e no Espírito Santo. Se te encontras escravo do pecado, o Senhor oferece-te a possibilidade de passares da escravidão do faraó, que é o demónio, para a gloriosa liberdade de filho adotivo de Deus.
A renovação das promessas batismais acontecerá depois de uma longa Liturgia da Palavra, que se inicia com o texto da criação, nas primeiras páginas da Sagrada Escritura, e que terminará com a proclamação da Ressurreição do Senhor Jesus Cristo, passando por vários momentos que na Bíblia dão testemunho da proximidade de Deus Salvador: A aliança com Abraão, a passagem do Mar Vermelho, as palavras dos profetas e o nascimento do Senhor. Escutaremos mais uma vez aquela leitura da Carta aos Romanos que nos fala do Batismo, no qual morremos e ressuscitamos com Jesus. A celebração da vida cristã oferece-nos agora a vitória de Cristo sobre a nossa morte. Como Israel, já saímos do Egito e vamos caminhando no deserto rumo à Terra Prometida.
3. Lemos na Mensagem para a Quaresma deste ano do Santo Padre Francisco: «Como Israel no deserto, tinha ainda dentro de si o Egito (vemo-lo muitas vezes lamentar a falta do passado e murmurar contra o Céu e contra Moisés), também hoje o Povo de Deus traz dentro de si vínculos opressivos que deve optar por abandonar […]. A Quaresma é o tempo de graça em que o deserto volta a ser – como anuncia o profeta Oseias – o lugar do primeiro amor (cf. Os 2, 16-17). Deus educa o seu Povo para que saia das suas escravidões e experimente a passagem da morte à vida». Sair do Egito é abandonarmos uma vida de egoísmo, apenas superficialmente feliz, à custa dos outros. Caminhar no deserto é entender toda a nossa vida como o deserto ao qual o Senhor nos atrai para nos educar e pôr à prova, para deixarmos de viver para nós próprios, ou seja, deixarmos de ser egoístas, e vivermos ao serviço dos irmãos, em Igreja.
4. «Onde está o teu irmão?». Não caiamos na tentação de responder a esta pergunta com as palavras egoístas de Caim. Se amamos os irmãos, preocupamo-nos com eles, sabemos onde eles estão e como vivem. Seremos julgados por aquilo que lhes fizermos ou deixarmos de fazer (cf. Mt 25, 40 e 45). É impressionante o isolamento em que tantas pessoas vivem, no território da nossa diocese. De acordo com os dados dos Censos de 2021, quase 25.000 pessoas vivem sozinhas e destas, mais de 55% têm idade superior a 65 anos. Quando se deixa de ter Deus no horizonte, o ser humano acaba sozinho.
Vem a Páscoa, irmãos! A Quaresma convida-nos a refazer os relacionamentos com Deus, na oração; com os outros, na esmola; connosco e com a criação, no jejum. São estas as três ações que restituem às nossas vidas o dinamismo de pessoas libertas. Tradicionalmente estas práticas quaresmais resultam numa oferta que se destina a auxiliar os mais pobres, quer corporalmente, quer espiritualmente. Este ano, depois de ouvido o Conselho Presbiteral, o valor que for apurado da «Renúncia Quaresmal» será destinado 50% aos cristãos da faixa de Gaza e 50% a obras na casa Episcopal, preparando-a para receber o novo bispo. A Renúncia Quaresmal do ano passado rendeu 13.600,27€, os quais foram destinados à participação na Jornada Mundial da Juventude e aos católicos na Ucrânia. Sede generosos!
Desejo a todos uma santa e frutuosa Quaresma, com a bênção de Deus.
Beja, 29 de janeiro de 2024
+ João Marcos, Bispo de Beja