ORDENAÇÃO PRESBITERAL

HOMILIA NA ORDENAÇAO PRESBITERAL

DO P.e MÁRIO VARGAS TEPPOX

Sé de Beja, 10 de Dezembro de 2023

            Na primeira leitura que escutámos na celebração deste segundo domingo do Advento, o profeta Isaías manda-nos levantar a voz para anunciarmos ao povo que o Senhor vem ao nosso encontro: eis o Senhor nosso Deus que vem como um pastor para apascentar o Seu rebanho. Ele reunirá os animais dispersos, tomará os cordeiros em seus braços, e conduzirá as ovelhas ao seu descanso. É o anúncio do final do cativeiro de Babilónia que se anuncia como um novo Êxodo. E uma voz clama: preparai no deserto o caminho para o Senhor. Então se manifestará a glória do Senhor e todo o homem verá a sua magnificência.

            Mas como é que o Senhor se torna visível para apascentar o Seu povo, quando lemos no Evangelho que a Deus nunca ninguém O viu?

Por meio do ministério dos profetas e dos sacerdotes, por meio dos acontecimentos da história e, sobretudo, por meio do Seu Filho, a Palavra Incarnada, é Deus mesmo que se torna visível como Pastor.

 Ao afirmar Eu sou o Bom Pastor, como podemos ler no Evangelho segundo S. João, Jesus termina esse discurso referindo que as obras por Ele realizadas em nome do Pai dão testemunho d’Ele, Jesus. E termina com estas palavras: Eu e o Pai somos um. E antes de subir ao Céu, despedindo-Se dos apóstolos, depois de lhes ter dito que toda a autoridade Lhe fora entregue por seu Pai os enviou a pregar, a batizar, e a ensinar a observar tudo quanto lhes ordenara, O Senhor garante a Sua presença junto deles: Eu estou convosco todos os dias até ao fim dos tempos! Assim como o Pai O enviou, também Ele enviou os apóstolos. Assim como Ele e o Pai são um, e o Filho nada pode fazer que não veja o Pai fazer, assim também os apóstolos devem viver e agir unidos a Cristo. De facto, desde o início da Igreja essa tem sido a doutrina e a prática pastoral. Por meio da Igreja e do ministério dos apóstolos, por meio da Palavra e dos Sacramentos, por meio das Suas obras, o Senhor nosso Deus apascenta os seus fiéis por meio de Cristo presente nos bispos, nos presbíteros e nos diáconos. Caro ordinando: nós somos homens débeis como eram os apóstolos, mas revestidos da graça batismal e ordenados para o ministério apostólico, temos a missão de tornarmos Deus visível e atuante no meio da Igreja e no meio do mundo, in persona Christi, em nome e com o poder de Cristo.

 

2 – No início do Evangelho segundo S. Marcos, a figura de João Batista é-nos apresentada como o mensageiro que prepara no deserto o caminho para o Senhor, anunciando e realizando um batismo de penitência para a remissão dos pecados. E dizia àqueles que o procuravam: vai chegar depois de mim quem é mais forte do que eu, diante do qual eu não sou digno de me inclinar para desatar as correias das suas sandálias. Eu batizo-vos com água, mas Ele vos batizará no Espírito Santo.

Caríssimo Mário: a figura de João Batista é-te oferecida pelo Senhor, neste dia da tua ordenação de presbítero, como modelo para imitares. Ser presbítero é seres mensageiro do Senhor. Aprende com o Precursor a ir à Sua frente, a preparar o Seu caminho. Como ele, deves ter presente que a tua missão não é seres o esposo, mas o amigo do esposo que se alegra ao ouvir a voz do esposo; é seres, não a Palavra, mas a voz que abre caminho à Palavra, e que se alegra por ver que ela cresce enquanto tu diminuis. Como é difícil, neste nosso tempo, anunciarmos, como filhos amorosos que ouvem a palavra do Pai e a transmitem contentes, em vez de a apresentarmos como nossa doutrina pessoal.

O texto do Evangelho de Marcos, ao apresentar João Batista, insiste na áspera roupa que vestia e na pobre comida que tomava. A sua preocupação consistia, não em prender a si os que dele se aproximavam, mas em levá-los a conhecer e a amar o Senhor que ele anunciava. Aprende a viver centrado no Senhor, a amar o Senhor com todo o teu coração e Ele satisfará a tua afetividade. Ele te dará irmãos e irmãs que te amarão e a quem tu amarás castamente. O celibato, vivê-lo-ás unido a Cristo, como Filho bem-amado do Pai, testemunhando a todos que ser filho, ser filho de Deus, basta para te fazer feliz.

As palavras da tua pregação, caro ordinando, deves escutá-las, guardá-las e praticá-las. Sê tu o primeiro a meditar e a cumprir as palavras que Deus põe na tua boca para anunciares aos teus irmãos. Como escreveu S. Gregório Magno na sua Regra Pastoral, há uma norma para o pregador: que ele pratique aquilo que anuncia. Assim os ouvintes receberão a pregação como Evangelho, como Boa-notícia, e não como fardo insuportável. Assim como João Batista fazia e dizia aos seus ouvintes: praticai as obras justas que deem testemunho da vossa conversão, do vosso arrependimento. E se os teus pecados te acusarem de não praticares o que pregas, não te pregues a ti mesmo, mas continua a pregar a doutrina da Igreja e a anunciar o Senhor.

 

3 – A pregação é a parte primeira da nossa missão. Mas João Batista mostra-nos também a segunda parte: a Liturgia. Ele batizava aqueles que acreditavam na sua pregação.

Nós vivemos tempos marcados por uma prática sacramental desligada, muitas vezes, da adesão profunda a Nosso Senhor Jesus Cristo. Que significado e que eficácia podem ter as profissões de fé que tantas vezes se fazem sem fé verdadeira, sem a fé católica? E o batismo, sacramento da conversão e da fé, sem qualquer garantia de crescimento e de desenvolvimento da intimidade com o Senhor e com os irmãos? E porquê desembocam em divórcio ou em separações tantos casamentos celebrados na Igreja, no nome e no poder do Senhor, como sacramentos da Aliança de amor de Cristo e da Igreja? E porquê se comunga tanto, sem comunhão verdadeira com Cristo e com os irmãos? Porquê? Se Deus não é o alicerce da vida cristã não se pode verificar a eficácia dos sacramentos que celebramos. E as pessoas deixam de ir confessar os seus pecados aos padres, porque se justificam a si mesmas. Vivem por si mesmas e para si mesmas, tal como os pagãos.

O Cristianismo reduzido a uma doutrina e a práticas sacramentais que não dialogam entre si nem com ninguém, reduzido a uma religião individualista, sem vida comunitária, não é aquele que Jesus fundou. A Igreja tem hoje a grande missão de evangelizar estes restos de cristandade. Como? Anunciando o Evangelho, vivendo em comunidades, tornando fiéis aqueles que a tradição mantém ligados à Igreja. Tarefa grande, sem dúvida. Mas é possível, com a ajuda do Espírito Santo.

 

4 - O testemunho de João Batista, como sabemos, completou-se com o martírio. Ele dizia a Herodes: não te é lícito viveres com a mulher do teu irmão. E pelo ódio dessa mulher, João foi martirizado. Deu a sua vida por amor da lei de Deus.

O ministério da vida do presbítero cumpre-se na entrega da sua vida inteira ao Senhor.  A vida que Lhe entregamos é a mesma vida que recebemos d’Ele. Na Eucaristia que celebramos com os fiéis, experimentamos a comunhão com Jesus Ressuscitado. Podemos assim levar no nosso corpo o morrer d’Ele, para que a Sua vida se manifeste em nós. A Pobreza, a Castidade e a Obediência que cultivamos nos relacionamentos com os bens materiais, com os irmãos e com Deus ajudam-nos a viver esta vida escondida com Cristo em Deus, vida que Lhe dá espaço neste mundo, em nós, e por nós, em muitos outros irmãos nossos.

Caro ordinando: a vida cristã só funciona em comunidade. Onde dois ou três estiverem reunidos em meu nome, Eu estarei no meio deles. E a vida dos presbíteros também, e mais ainda.

Vais viver, na tua ordenação, a entrega total de ti mesmo ao Senhor, para participares do ministério apostólico, como colaborador do Bispo. Entrega-te inteiro, por toda a tua vida, assim como és, assim como estás, com as tuas qualidades e defeitos, com a tua generosidade e com as tuas preocupações e interrogações. O Senhor que te conhece melhor que tu próprio, foi Quem te chamou. Confia n’Ele, na Sua fidelidade e no Seu poder. E verás maravilhas. Habitua-te, irmão, a lidar com Deus. Habitua-te a rezar fielmente a Liturgia das Horas, a perscrutar nas Escrituras as palavras e os gestos de Jesus com os quais vais agir para ajudar os fiéis a crescerem no amor ao Senhor, na esperança firme no cumprimento das suas promessas, e naquela fé adulta que atua pelas obras. Aprende a configurar-te com Jesus Cristo Crucificado, morto para o pecado e vivo para Deus

 

5 – Caríssimos irmãos e irmãs: acompanhemos com amor este nosso irmão, orando por ele. Que a assembleia dos Anjos e dos Santos que vamos invocar o acompanhe no exercício do seu ministério, ao longo de toda a sua vida.

+ J. Marcos