NOVOS TEMPOS

Ensinar e viver as virtudes cardeais
Na Constituição Pastoral «Gaudium et Spes», sobre a Igreja no mundo atual, o Concílio Vaticano II afirma, logo no proémio que «As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração.»(GS 1)
A partir desta afirmação, nenhum cristão pode ficar indiferente ou calado diante de tudo aquilo que acontece no mundo e tem de reagir, de acordo com a sua consciência e sentido crítico.
Para agir corretamente, o ser humano precisa de exercitar, na sua vida, as chamadas «virtudes cardeais» que devem ser, como o nome indica, o eixo da sua ação. Em latim, «cardo» significa eixo central e até a rua principal a partir da qual se fazia o planeamento urbano, nas cidades do império romano.
As virtudes cardeais são, assim, capacidades humanas, eixos, que através do seu exercício, possibilitam ao ser humano a capacidade de uma vida em sociedade mais humana. As quatro virtudes cardeais são a Prudência, a Justiça, a Fortaleza e a Temperança.
Penso que nunca, como nos dias de hoje, foi tão necessário ensinar e praticar estas virtudes. Olhamos para o panorama internacional e para o interior de muitas nações e observamos, como tudo isto faz falta e está tão alheado da esfera pública.
A prudência é necessária para saber escolher entre o bem e o mal, ou até, na falta de um bem, o mal menor. A justiça capacita-nos para dar a cada um o que lhe é devido e a colocar as coisas no seu devido lugar. A fortaleza é a virtude que nos permite resistir às contrariedades e perseverar no caminho do bem. E a temperança dá-nos a capacidade de usar os bens existentes, sem excessos ou consumismos, nunca escravizando ninguém ou destruindo aquilo que está ao nosso dispor.
Como seria útil para o bem comum e a vivência em sociedade se cada um nós praticasse estas virtudes e se as ensinasse pelo seu exemplo e palavra em todos os espaços e meios de que dispõe.
Veríamos que os mais fortes não humilhariam os mais simples e fracos; os corruptos não ousavam vangloriar-se das suas fraudes, nem desviar para paraísos fiscais as riquezas de todos nós; os bons teriam coragem e meios para reagir e repor a justiça. E os bens materiais seriam sabiamente distribuídos e estariam acessíveis a todos.
Tudo isto pode parecer uma utopia, mas tem de ser uma realidade que devemos procurar e fazer germinar. Não podemos ficar em silêncio, diante dos imperialismos, dos clientelismos, dos extremismos e dos populismos. Temos de reagir com virtuosidade e combater tudo aquilo que na sociedade contemporânea faz sofrer tantos e tantos seres humanos.
Será que podemos compactuar com os caprichos de quem tem mais riqueza pessoal do que muitos países soberanos? Será que é justo alguém ter uma fortuna, a qual se fosse dividida por cada ser humano caberia a cada pessoa um milhão de dólares? Será que acordos assinados com as armas apontadas à cabeça são acordos justos? Será que é lícito perguntar ao agressor se concorda que a sua vítima pare de se defender?
Se calhar não era mal pensado tornar o ensino das virtudes uma matéria obrigatória nos programas escolares e todos terem de resolver situações práticas, em casos da vida, para construírem a sua consciência ética e moral, baseada na reta razão.
Sérgio Carvalho