SOLENIDADE DO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS

Homilia na Solenidade

do Sagrado Coração de Jesus

Sé de Beja

07/06/2024

 

  1. Queridos irmãos e irmãs, caros religiosos e religiosas e hoje sobretudo vós, reverendos padres e diáconos, neste dia em que toda a Igreja se une em oração pedindo a Deus a vossa santificação, a graça e a paz de Cristo Ressuscitado estejam convosco! Dirijo-me, como é normal neste dia, sobretudo a vós, padres e diáconos que suportais comigo a responsabilidade de apascentar o povo de Deus nesta Diocese.

Chamam-nos padres. Para os fiéis que a Igreja confiou aos nossos cuidados pastorais somos pais na fé e na vida cristã. Somos chamados padres e é necessário que o sejamos de facto, não só por aquilo que ensinamos, mas também, e sobretudo, pelo testemunho da nossa vida. Como escreveu o Papa S. João Paulo II, quando alguém se inscreve para receber a iniciação cristã e pede o Batismo está a afirmar o seu desejo de ser santo. A iniciação cristã dará à sua vida o sólido fundamento dessa casa edificada sobre a rocha, mas é como comunidade cristã orientada pelos pastores e que vive de Cristo Ressuscitado, que crescerá na santidade. Postos à frente do povo de Deus como pastores, do nosso trabalho e do nosso testemunho dependerá em grande parte o progresso espiritual dos fiéis. Por isso é tão importante para toda a Igreja e para nós este dia de oração pela nossa santificação.

 

  1. Hão de olhar para Aquele que trespassaram!

Carissímos padres: com estas palavras a Igreja nos convida a viver este dia e toda a nossa vida voltados para Cristo.  A necessidade de contemplarmos Cristo Crucificado, trespassado por nosso amor, levou o povo cristão a venerar como imagem primeira e mais importante do cristianismo, o crucifixo.

Que vês tu, que vemos nós, na imagem de Cristo Crucificado? Certamente vemos o fruto dos nossos pecados, simbolizados nas chagas dos cravos e da lança que lhe trespassou o coração. Não é coisa pequena vermos os nossos pecados e as suas consequências, mas é coisa infinitamente maior contemplarmos no Coração de Jesus, aberto pela lança do soldado, até onde chega o amor com que o Filho de Deus nos ama. O Seu Coração está aberto para nos acolher e amar sempre, a nós que tão pouco O amamos e tantas vezes o trespassamos com os nossos pecados. Nisto conhecemos o amor: Jesus deu a sua vida por nós, e nós devemos dar a vida pelos nossos irmãos. Ser cristão e mais ainda ser padre, não é encontrar uma forma de ganhar a vida, mas de a perder, de a dar, com o mesmo amor, com o mesmo espírito, com os mesmos sentimentos de Jesus. É necessário, no entanto, que seja verdadeiro o testemunho que damos. Como escreveu S. João: aquele que viu dá testemunho e o seu testemunho é verdadeiro. Ele sabe que diz a verdade, para que também vós acrediteis. Da veracidade do nosso testemunho de pastores depende, em grande parte, a força da fé daqueles a quem pregamos e testemunhamos a salvação no nome de Jesus.

 

  1. Ouvíamos na segunda leitura estas palavras admiráveis de S. Paulo: é pela fé em Cristo que podemos aproximar-nos de Deus com toda a confiança. Pela fé e não pelas obras da lei. Pela fé, pela qual se fortifica em nós o homem interior, pela fé, pela qual Cristo habita em nossos corações, pela fé, por meio da qual, profundamente enraizados na caridade, podemos compreender com todos os cristãos, a largura, o comprimento, a altura e a profundidade do amor de Cristo que ultrapassa todo o conhecimento e assim sejamos totalmente saciados na plenitude de Deus.

Como Paulo, também nós recebemos a missão de anunciar aos gentios a insondável riqueza de Cristo. Esta riqueza que é a participação na comunhão de amor com o Pai no Espírito Santo, traduz-se em sermos Filhos de Deus, dependentes do Pai, que apenas repetimos as palavras do Pai, e que realizamos apenas as obras que vêmos o Pai fazer, que em tudo buscamos a glória do Pai e nos alegramos com o alimento que recebemos do Pai dia após dia, fazendo sempre a Sua vontade. Nesta pobreza de sermos filhos adotivos de Deus encontramos os tesouros da insondável riqueza de Cristo e aprendemos a saborear a gloriosa liberdade dos filhos de Deus e a Sua santidade. Aprendemos a dar a vida pelos nossos irmãos, e a não vivermos para nós próprios. Ser santo é imitar Cristo que sempre viveu e vive a partir do Pai e para o Pai, de coração esvaziado de Si mesmo e liberto das preocupações de quem vive no mundo porque sabe e experiencia que no seu amor, o Pai Misericordioso sempre cuida dos seus filhos.

 

  1. Escutámos na primeira leitura o queixume de Deus que tratou Israel com carinhos de pai e de mãe, que desde sempre o amou, que o chamou do Egito, que o trazia nos braços, mas não entendeu que era Deus quem assim dele cuidava. Quantas vezes, queridos irmãos e irmãs, vivemos esquecidos de Deus, sem reconhecermos o seu amor constante por cada um de nós, como se estivéssemos adormecidos.

Desperta tu que dormes, levanta-te do meio dos mortos e Cristo te iluminará. Hoje, hão de olhar para Aquele que trespassaram. Hoje, irmão e irmã, olha para o Senhor cujo coração tantas vezes foi trespassado pelos teus pecados. Reconhece o Seu amor imenso por ti! Converte-te a Ele, vive, unido a Ele, a comunhão com o Pai no Espírito Santo. Ama-O com todo o teu coração e espera n’Ele, pois Ele é fiel e cumprirá as promessas que te fez. Aprende a viver crucificando as tuas paixões e apetites. Ele é a fonte da vida e da salvação. Aprende a beber em cada dia nessa fonte, alimenta-te na mesa da nova aliança. Encontra, em cada dia o tempo de que precisas para orar, para cultivar a centralidade própria da vida cristã e seres participante da Sua santidade.

É verdade que: se o Senhor não constrói a casa, em vão trabalham os que a constroem. Como vives o Sacerdócio, se vives para ti mesmo? Como vives tu o cristianismo, se é para ti próprio que amealhas? Como trabalhas como padre, se é o teu modelo de Igreja que edificas e não o de Cristo? A conversão a Cristo Ressuscitado e Sacerdote da Nova Aliança dá forma eclesial à nossa vida e ao nosso trabalho. Para edificarmos a Igreja, precisamos de ser membros vivos dela, precisamos de participar na sua missão profética, sacerdotal e pastoral, como homens de Deus e não como pessoas que vivem por si mesmas e para si mesmas, centradas e apoiadas em si próprias, cujo texto é a sua realização pessoal e tudo o mais apenas pretexto. Sermos santos, caríssimos irmãos, é sermos Igreja viva, testemunhas de que, no Evangelho amado e vivido, se encontra o futuro da humanidade, esse futuro que cresce e se torna presente na Igreja por meio do nosso trabalho, ou seja por meio do trabalho do Senhor que, por meio de nós, edifica a sua Igreja.

Conta-se que estando S. Inácio de Loyola próximo da morte, um dos seus companheiros, para o animar, lhe ia falando das grandes maravilhas com que ele se apresentaria diante do Senhor: A fundação da Companhia de Jesus, etc, etc… A isso, respondeu-lhe S. Inácio que se via a si mesmo apenas como impedimento, e que as suas boas obras são obras apenas do Senhor Jesus Cristo.

Queridos irmãos e irmãs: não queirais outra santidade diferente da de Jesus Cristo, Filho de Deus, que se esvaziou a Si mesmo, e deu a sua vida por cada um de nós. O Seu Coração trespassado pela lança, Coração esvaziado de tudo aquilo que é mundano e transbordante de amor, é onde se situam as fontes da salvação. Dele sempre podemos beber as águas vivas do Espírito. Ele nos acompanhe sempre como a nossa bússola, como lugar de refúgio e de descanso verdadeiro para as nossas almas.

A Ele a glória e o poder pelos séculos dos séculos. Amén.

 

+ J. Marcos, administrador apostólico de Beja